A aprovação da regulamentação da pela Câmara dos Deputados marca o desfecho de uma das negociações mais intensas do Congresso Nacional nos últimos anos. Após meses de disputas entre Câmara e Senado, o texto final consolidou escolhas que vão muito além da promessa de simplificação de impostos.
Enquanto o discurso público enfatiza a simplificação do sistema e o fim de distorções históricas, o texto aprovado revela escolhas que beneficiam alguns setores, impõem novos custos a outros e levantam dúvidas relevantes sobre o futuro da tributação sobre consumo no Brasil. A seguir, você confere cinco pontos surpreendentes definidos na votação que ajudam a entender quem realmente ganha e quem perde com a regulamentação da reforma.
Um dos debates mais sensíveis da regulamentação da Reforma Tributária envolveu o Imposto Seletivo, conhecido como “imposto do pecado”. A proposta é tributar produtos considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente, como cigarros, bebidas alcoólicas e refrigerantes.
No caso das bebidas açucaradas, a versão aprovada pela Câmara eliminou o teto de 2% para a alíquota, limite que havia sido incluído pelo Senado. A decisão do relator, deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), reacendeu o embate entre saúde pública e impacto econômico.
De um lado, parlamentares defenderam a medida como instrumento de política sanitária. O deputado Túlio Gadêlha (Rede-PE) destacou que o Brasil possui cerca de 16 milhões de diabéticos e que a tributação deveria compensar os custos impostos ao sistema público de saúde. Do outro, críticas apontaram que o aumento pode pesar mais sobre a população de baixa renda, argumento levantado pelo deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM).
Na prática, a retirada do teto amplia a margem de tributação e sinaliza uma derrota relevante do lobby industrial frente à agenda de saúde pública.
O setor do futebol também acompanhou de perto a regulamentação da Reforma Tributária. No Senado, havia sido aprovada uma redução expressiva da carga tributária para clubes que adotassem o modelo de Sociedade Anônima do Futebol (SAF), com alíquota reduzida para 5%.
Essa expectativa, porém, não se confirmou. O texto final aprovado na Câmara manteve a alíquota consolidada de 8,5% sobre as receitas das SAFs, conforme previsto no desenho original da reforma.
A decisão frustrou dirigentes e investidores do setor, mas reforçou uma diretriz clara da regulamentação: evitar benefícios setoriais que comprometam a neutralidade e a isonomia do novo sistema tributário.
Em meio a disputas técnicas e políticas, a regulamentação também trouxe avanços concretos em políticas sociais. Um dos exemplos mais claros está nas regras para a compra de veículos por pessoas com deficiência.
O texto aprovado estabeleceu duas mudanças relevantes:
Essas alterações têm impacto direto na vida dos beneficiários, ampliando o acesso ao benefício e reconhecendo a defasagem dos limites anteriores frente aos preços praticados pelo mercado automotivo.
Enquanto grande parte da economia ainda aguarda a definição da alíquota final do IVA, o setor financeiro saiu da regulamentação da Reforma Tributária com um cenário bem mais previsível.
O texto aprovado definiu alíquotas fixas e progressivas para a soma do IBS e da CBS aplicáveis às instituições financeiras, afastando cálculos baseados em cargas históricas. O cronograma ficou assim estabelecido:
Um detalhe pouco comentado é a inclusão das administradoras de programas de fidelidade, como milhas aéreas, nesse mesmo regime específico. O resultado é uma década de estabilidade tributária para o sistema financeiro, algo raro em reformas dessa magnitude e que evidencia sua forte capacidade de articulação no Congresso.
Apesar do discurso de eficiência e simplificação, a regulamentação da Reforma Tributária também trouxe um alerta relevante. Parlamentares da oposição chamaram atenção para o risco de o Brasil alcançar uma das maiores alíquotas de imposto sobre consumo do planeta.
Durante o debate em Plenário, o deputado Luiz Lima (Novo-RJ) resumiu essa preocupação ao afirmar que, no melhor cenário, o país pode se igualar à Hungria, que possui uma alíquota de IVA de 27%. A crítica central é que a unificação de tributos pode reduzir a complexidade, mas elevar significativamente o peso da tributação sobre o consumo.
Esse ponto se torna ainda mais sensível em um país marcado por desigualdade de renda, onde impostos indiretos tendem a afetar proporcionalmente mais as camadas de menor poder aquisitivo.
A regulamentação da Reforma Tributária deixa claro que a mudança vai muito além da simplificação de impostos. As escolhas feitas durante a votação impactam preços, setores estratégicos, políticas sociais e o próprio equilíbrio entre arrecadação e justiça fiscal.
Segundo o relator Mauro Benevides Filho, trata-se da maior transformação econômica do Brasil nas últimas décadas, com potencial de elevar o PIB entre 8% e 10%. O desafio, no entanto, está na implementação. Resta saber se o ganho de eficiência e crescimento será suficiente para compensar o risco de uma das maiores cargas sobre consumo do mundo.
O debate, definitivamente, não termina com a aprovação do texto. Ele apenas entra em uma nova fase.



