Mesmo com a imunidade tributária dos livros garantida pela Constituição Federal, os preços seguem altos nas livrarias e lojas virtuais. Essa contradição chama a atenção do público em geral, que muitas vezes se pergunta por que os livros seguem com preços elevados mesmo sem a incidência de impostos.
Afinal, se livros não pagam impostos, por que custam tanto? A resposta está em uma série de fatores econômicos, estruturais e tributários que, mesmo sem incidir diretamente sobre o produto final, impactam toda a cadeia de produção e comercialização.
Este post explora os fundamentos da imunidade tributária dos livros, os desafios econômicos enfrentados pelas editoras e como a reforma tributária pode afetar o setor. Também destacamos o papel estratégico dos contadores nesse cenário, tanto na adaptação às novas regras quanto na busca por eficiência financeira para seus clientes editoriais.
A imunidade tributária para livros está prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “d” da Constituição Federal. Segundo o texto, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituírem impostos sobre “livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão”.
Essa regra tem uma motivação clara: garantir o acesso à cultura e ao conhecimento, elementos essenciais para o desenvolvimento educacional da população. Ao retirar a carga tributária, o objetivo do constituinte foi tornar o livro mais acessível.
Com o tempo, o entendimento da imunidade foi ampliado por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que passaram a reconhecer que livros digitais e e-readers também estão protegidos, desde que tenham finalidade educativa, cultural ou informativa. Ou seja, a imunidade alcança tanto o conteúdo quanto os meios necessários para sua disseminação.
Ainda assim, é importante lembrar: imunidade não é sinônimo de isenção. A imunidade é uma vedação constitucional permanente à cobrança de determinados impostos. Já a isenção é uma dispensa legal, que depende de norma infraconstitucional e pode ser alterada ou revogada a qualquer momento.
Para tornar mais clara essa diferença, vejamos alguns exemplos reais:
Essas distinções impactam diretamente a segurança jurídica das atividades econômicas e a previsibilidade fiscal. No caso dos livros, a imunidade oferece uma proteção sólida contra a tributação, mas não elimina outros custos da cadeia produtiva.
Mesmo sem pagar impostos diretamente, os livros são impactados por diversos custos indiretos e estruturais. Produzir um livro envolve mais do que apenas imprimir páginas. O processo começa muito antes, com investimentos em revisão, preparação de texto, tradução, design gráfico e marketing. Tudo isso tem custo — e nenhum deles está imune à inflação ou à alta de insumos.
Nos últimos anos, por exemplo, o setor enfrentou aumentos significativos no preço do papel, afetado pela valorização do dólar, escassez global e alta nos custos logísticos. O papel — curiosamente, um dos insumos que também tem imunidade tributária — ainda assim é impactado por custos operacionais como energia, transporte e serviços terceirizados, que não estão livres de impostos.
Além disso, os livros também enfrentam uma estrutura de mercado desafiadora. O Brasil é um país com baixo índice de leitura, o que reduz o volume de vendas. Com tiragens menores, os custos fixos não se diluem tanto, o que encarece o preço unitário.
Outro fator relevante é a logística. Distribuir livros em um país continental como o Brasil exige uma estrutura cara, especialmente para pequenas e médias editoras. O frete, que pesa no preço final, também é tributado — e a imunidade do livro não se estende a esse custo.
A Emenda Constitucional nº 132/2023, que institui a reforma tributária, manteve a imunidade tributária dos livros em seu texto final. Isso só aconteceu após forte mobilização de entidades do setor editorial, que temiam a perda dessa proteção histórica.
Com a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituem tributos como PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, surgiu o receio de que os livros pudessem ser tributados indiretamente, por meio da cadeia produtiva — ou até mesmo na comercialização.
A manutenção da imunidade foi uma vitória importante, mas não elimina todos os desafios. A forma como a nova legislação será regulamentada ainda pode afetar a cadeia do livro. Um dos pontos mais críticos é a possibilidade de créditos não aproveitáveis, ou seja, situações em que empresas do setor acumulam tributos pagos em suas operações, mas não conseguem compensá-los — um problema especialmente relevante para editoras que atuam em um mercado de margens reduzidas.
Além disso, a transição entre os regimes exigirá adaptação contábil e fiscal das empresas. Muitas editoras precisarão reorganizar seus processos internos, revisar seus contratos e adaptar sistemas contábeis para garantir conformidade e eficiência tributária.
Nesse contexto de complexidade tributária e mudanças regulatórias, o contador se torna um aliado fundamental para o setor editorial. A imunidade tributária dos livros, embora traga benefícios fiscais, exige atenção técnica para que seja corretamente aplicada e não gere riscos de autuação.
Contadores que atuam com editoras precisam ir além da apuração fiscal. É seu papel orientar sobre o correto enquadramento das receitas e despesas, analisar o impacto de custos indiretos e sugerir alternativas viáveis para otimizar a operação — especialmente em um momento de transição como o atual.
A interpretação correta da legislação é outro desafio. Algumas editoras, por exemplo, ainda têm dúvidas sobre o que exatamente está coberto pela imunidade. Serviços editoriais, plataformas digitais e licenças de uso podem estar fora do escopo, o que exige análise criteriosa caso a caso.
Além disso, o contador atua como guardião da sustentabilidade financeira dessas empresas. Ajudar na precificação, controlar os custos e projetar o fluxo de caixa são tarefas essenciais para que editoras e livrarias possam se manter competitivas sem abrir mão da missão cultural que carregam.
A imunidade tributária dos livros é um instrumento constitucional poderoso, mas não é suficiente para garantir preços baixos. Os desafios vão além dos tributos diretos e envolvem questões estruturais, de mercado e de logística.
Com a reforma tributária, o setor editorial precisará estar ainda mais atento às mudanças no ambiente regulatório. A atuação estratégica do contador será decisiva para que as editoras se adaptem, preservem a imunidade e encontrem alternativas para manter a sustentabilidade financeira.
Mais do que nunca, contadores são peças-chave na engrenagem da cultura e da educação no país — ajudando a tornar os livros não só imunes, mas também acessíveis.