A sucessão de comando ainda costuma ser vista como um tema familiar, especialmente em negócios que passam de geração em geração. Mas o que mantém uma empresa sólida ao longo das décadas não é o sobrenome, e sim o método: preparar pessoas capazes de continuar entregando resultados dentro da mesma lógica de estratégia, cultura e governança.
É nesse ponto que o RH deixa de ser coadjuvante e assume o protagonismo. Cabe ao setor identificar potenciais, construir trilhas de desenvolvimento, definir critérios, reduzir vieses e organizar as transições para que sejam previsíveis — mesmo quando acontecem de forma inesperada.
Planejamento sucessório é o processo contínuo de garantir que funções críticas tenham substitutos prontos ou em preparação, com base em competências e evidências de entrega. Não é um evento isolado nem um ato de herança: é uma prática de gestão estratégica.
Antes de falar sobre como aplicar, vale alinhar três conceitos que sustentam os bastidores das melhores transições de liderança:
Talent review: reunião recorrente (trimestral ou semestral) em que líderes e RH analisam pessoas-chave com base em dados concretos — metas atingidas, complexidade dos projetos e feedbacks 360° — para definir movimentos de carreira e desenvolvimento.
Matriz 9-box: ferramenta que cruza desempenho e potencial em um quadro 3×3. Ela não decide promoções, mas ajuda a comparar cenários com mais justiça e consistência.
Readiness (prontidão): grau de preparo de um profissional para assumir uma função crítica agora ou em até 6, 12 ou 24 meses. A diferença entre “quase pronto” e “pronto” está nas lacunas mapeadas e nos PDIs criados para superá-las.
Com esse vocabulário comum, o RH padroniza discussões e torna o processo auditável.
Os exemplos a seguir mostram como preparo, governança e comunicação clara reduzem ruídos e preservam resultados durante a transição.

Aos 94 anos, Warren Buffett anunciou sua saída e indicou Gregory Abel como sucessor. Abel construiu carreira em operações de energia e infraestrutura e participou dos fóruns estratégicos onde as decisões mais importantes eram tomadas.
A transição dividiu responsabilidades: a gestão de investimentos ficou com executivos já designados, enquanto Abel assumiu a liderança operacional. O modelo garantiu continuidade à cultura e à disciplina financeira que sustentam a empresa há décadas.
Para o RH, o caso ilustra um preparo de longo prazo: exposição gradual a decisões complexas, passagem por áreas críticas e envolvimento em rituais que preservam a cultura mesmo após a saída do fundador.

A troca entre William Bonner e César Tralli foi conduzida como um projeto estruturado. Houve cronograma, comunicação em camadas e ações sincronizadas em outros telejornais.
Cada público foi informado no tempo certo: líderes primeiro, redação em seguida e, por fim, o público. A transição aconteceu sem sobressaltos.
A lição é simples: sucessão não se resume a nomear um novo líder. É coreografar mensagens, datas, porta-vozes e ritos para preservar confiança e credibilidade.

Na Chanel, o herdeiro Arthur Heilbronn, de 38 anos, passa por um processo estruturado de desenvolvimento. Embora a continuidade familiar exista, o foco está em preparar o sucessor com base em experiência real: mentoria, decisões sobre produto e finanças e acompanhamento de guardiões da marca que zelam pela identidade construída ao longo de décadas.
A mensagem é clara: herança não substitui método. Quando a marca é um ativo valioso, o processo exige tempo, aprendizado prático e avaliação constante.
Quando o RH conduz o processo, a conversa deixa de ser baseada em opinião e passa a se apoiar em evidências.
O RH conecta trilhas de carreira, avaliações, PDIs e métricas de desempenho aos objetivos do negócio. A governança — comitês, critérios e registros — evita favoritismos, decisões impulsivas e improvisos.
Os benefícios são claros: redução do tempo de cadeira vazia, retenção de talentos estratégicos, moral elevada das equipes e um recado direto ao mercado de que a empresa é previsível e preparada.
O planejamento sucessório pode ser aplicado em qualquer porte de empresa. O segredo não é complexidade, mas consistência.
Liste cargos cuja ausência paralisa a operação ou afeta resultados. Avalie riscos considerando idade, saúde, rotatividade e concentração de conhecimento. Esse mapa define prioridades e orienta onde começar.
O scorecard funciona como um contrato de resultados. Em vez de listar tarefas, descreve entregas, indicadores e comportamentos esperados. Inclua propósito do papel, resultados prioritários, prazos e fronteiras de decisão.
Com essa régua, o processo deixa de depender de impressões pessoais. O scorecard também direciona PDIs: se a lacuna é negociação com grandes contas, o desenvolvimento pode incluir liderar a renegociação dos principais contratos no próximo trimestre.
A talent review é uma reunião trimestral entre líderes e RH para identificar quem já entrega resultados consistentes e quem tem potencial para assumir funções maiores.
A 9-box ajuda a visualizar o cruzamento entre desempenho e potencial. Baseie a discussão em fatos: metas cumpridas, complexidade dos projetos e feedbacks estruturados.
Depois, classifique a prontidão: pronto agora, em 6, 12 ou 24 meses. Mais importante do que o quadro é o plano que vem a seguir: PDIs, projetos estratégicos, mentorias e revisões periódicas documentadas.
Pipeline não é uma lista de nomes, mas um conjunto de experiências práticas. Dê aos sucessores oportunidades que simulam os desafios da cadeira: projetos interdepartamentais, substituições temporárias e participação em comitês.
Evite rotações aleatórias; cada movimento deve estar ligado a uma lacuna identificada.
Monte um Comitê de Sucessão composto por executivos e RH. Publique critérios claros, mantenha atas e trate conflitos de interesse com transparência.
Esse modelo dá segurança ao processo e assegura que o planejamento sucessório continue mesmo em momentos de mudança.
Com a sucessão próxima, defina mensagens-chave, cronograma e metas dos primeiros 90 dias. Reconheça o legado de quem sai e comunique o novo ciclo com clareza.
Antecipe perguntas: o que muda, quem decide o quê, quais são as prioridades? Uma comunicação estruturada reduz ruídos e mantém a confiança da equipe.
Nem toda saída é programada. Por isso, tenha um plano D+1 — um roteiro do que fazer no primeiro dia sem a pessoa-chave.
Defina quem assume interinamente, limites de aprovação, formas de comunicação e onde estão documentos críticos.
Realize um simulado anual de 60 a 90 minutos para testar o plano e criar uma rotina de resposta rápida.
Monitore indicadores que mostram a saúde do pipeline:
Em pequenas e médias empresas, o tempo é escasso e a rotina é intensa. É possível começar de forma simples e eficiente.
Selecione de três a cinco cargos críticos com base em uma pergunta: se essa cadeira ficar vazia, o que para? Priorize funções de impacto direto nos resultados e de difícil reposição, como coordenação de DP, faturamento ou liderança de TI.
Monte um resumo de uma página com três ou quatro resultados essenciais e cinco a sete competências observáveis. Isso torna a avaliação objetiva e baseada em entrega.
Ao contrário das descrições de cargo convencionais, que destacam apenas tarefas e requisitos, o scorecard direciona o foco para os resultados concretos e para os comportamentos necessários ao sucesso na função.
Reúna RH e líderes por 60 a 90 minutos. Analise fatos, classifique a prontidão dos possíveis sucessores e identifique o que falta para que cada um esteja preparado.
Isso traz praticamente um mapa para entender como na empresa está preparada no momento para uma possível sucessão.
Para cada sucessor em desenvolvimento, defina duas entregas por trimestre. Prefira desafios práticos, como implantar o controle de ponto em uma filial ou reduzir o índice de erros da folha.
No fim de cada ciclo, revise os resultados e ajuste o plano conforme o aprendizado.
Promova imersões mensais no cargo-alvo. O sucessor deve acompanhar decisões, participar de reuniões e entender o raciocínio por trás das escolhas.
A cada trimestre, apresente à diretoria os resultados e próximos passos. Isso dá visibilidade e confiança.
Escreva um plano claro: quem assume interinamente, quais limites de aprovação, como comunicar clientes e equipe, onde estão acessos e documentos. Faça um ensaio anual de 60 minutos para testar o preparo.
Estabeleça rituais fixos: talent reviews trimestrais, revisões de scorecards, imersões mensais e teste do plano D+1 duas vezes por ano. A disciplina garante que o processo continue mesmo em meio à rotina.
Se possível, envolva um mentor externo. O olhar de fora ajuda a calibrar decisões e reduzir vieses — com custo baixo e alto retorno.
Os casos de Buffett, Bonner e da Chanel têm algo em comum: preparo consistente, governança sólida e comunicação clara.
Quando o RH lidera o planejamento sucessório, a empresa preserva cultura e estratégia, mantém clientes e equipes confiantes e transforma a sucessão em competência organizacional — não em um susto a cada troca de liderança.



