Durante décadas, a holding familiar foi considerada uma das estruturas mais seguras para proteção patrimonial e sucessão. Centralizar imóveis, participações societárias e ativos financeiros em uma pessoa jurídica trouxe previsibilidade, eficiência fiscal e organização sucessória.
Com a reforma tributária, esse cenário entrará em uma fase de transição. A Emenda Constitucional nº 132/2023 alterará conceitos da tributação sobre consumo e ampliará significativamente a capacidade de fiscalização do Estado. Práticas antes toleradas passarão a demandar maior cuidado prévio, especialmente a partir de 2026.
Isso não significa o fim da holding familiar, mas o início de uma etapa em que forma, substância econômica e documentação passarão a ter peso decisivo.
A holding familiar na reforma tributária passará por ajustes relevantes ao longo do período de transição do novo sistema tributário. A lógica central deixará de ser apenas formal e passará a considerar a realidade econômica das operações.
Estruturas bem organizadas continuarão válidas. Já modelos informais ou mal documentados poderão se transformar em fontes recorrentes de risco fiscal.
A Lei Complementar nº 214/2024 introduzirá mudanças importantes, mas seu alcance precisará ser interpretado com cautela. A reforma não cria tributação automática sobre todo uso de bens por sócios.
A regra geral continuará sendo a tributação de operações onerosas. O fornecimento gratuito somente será tributado em situações específicas, quando a substância econômica indicar benefício indevido ou desvio de finalidade.
A caracterização de fornecimento poderá ser discutida principalmente quando houver:
A análise será sempre casuística, considerando o conjunto de fatos e a documentação disponível.
Durante a transição da reforma tributária, três cenários tendem a ser avaliados:
Cessão com ônus
Quando o sócio assume despesas como condomínio, IPTU e manutenção, caracteriza-se onerosidade. Nesse caso, não há fornecimento gratuito, inexiste base para IBS e CBS e não se configura doação.
Uso empresarial legítimo
Quando o imóvel é utilizado para reuniões, hospedagem de executivos ou atividades vinculadas à finalidade da holding, a despesa tende a ser tratada como operacional, desde que coerente com o objeto social.
Uso pessoal sem contrapartida
Apenas nesse cenário, se comprovado desvio de finalidade, poderá haver presunção de fornecimento pelo valor de mercado, com possível discussão sobre IBS e CBS.
Uma holding possui um apartamento avaliado em R$ 3 milhões. O sócio utiliza o imóvel e assume os seguintes custos:
Total anual assumido pelo sócio: R$ 81.000.
Nesse cenário, configura-se cessão onerosa. Não há incidência de IBS ou CBS, não existe doação e a holding mantém a dedutibilidade das despesas compatíveis com sua finalidade.
Para reduzir riscos ao longo da transição da reforma tributária, passam a ser recomendadas algumas medidas estruturais:
O art. 41, §1º do Regulamento do Imposto de Renda sempre previu a tributação de renda presumida quando uma pessoa física utiliza gratuitamente imóvel de terceiros, inclusive de uma holding familiar.
O que mudará a partir dos próximos anos será a capacidade de fiscalização. A ampliação e integração de bases como o Cadastro Imobiliário Brasileiro tende a tornar essa norma efetivamente aplicável.
O cruzamento de dados poderá envolver:
Esse ambiente aumenta a importância da formalização e da coerência entre uso, contratos e declarações.
Em um imóvel avaliado em R$ 3 milhões, a renda presumida anual pode chegar a R$ 300.000. Aplicada a tabela progressiva do Imposto de Renda, o custo anual pode se aproximar de R$ 70.000, caso não haja estruturação adequada.
Quando a holding familiar não está corretamente estruturada, o mesmo imóvel poderá gerar impactos simultâneos:
Esse efeito combinado reforça a necessidade de revisão antecipada das estruturas, evitando a corrosão econômica do patrimônio ao longo do período de transição.
A reforma tributária não altera a essência do ITCMD, mas consolida tendências já observadas nos últimos anos, como:
No contexto das holdings familiares, isso reforça a importância da governança, da avaliação correta das cotas e do planejamento sucessório estruturado.
Mesmo no novo ambiente tributário, a holding familiar seguirá oferecendo benefícios relevantes quando bem estruturada.
A proteção patrimonial permanece, com segregação de riscos e prevenção de conflitos sucessórios. A tributação de aluguéis tende a ser mais eficiente quando comparada à pessoa física, especialmente em regimes como o lucro presumido. Além disso, a reorganização societária permitirá melhor gestão de dividendos e reinvestimentos ao longo do grupo econômico.
A diferença passa a estar menos na existência da holding e mais na qualidade da sua estrutura.
A reforma tributária não elimina as vantagens da holding familiar. Ela aumenta o custo da informalidade e da desorganização.
A partir de 2026, estruturas que não forem revistas poderão enfrentar riscos fiscais recorrentes e perda gradual de eficiência econômica. Já aquelas que se adaptarem durante o período de transição tendem a preservar valor, segurança jurídica e previsibilidade sucessória.
Mais do que decidir se a holding familiar faz sentido, a questão passa a ser como ela deverá ser estruturada para continuar cumprindo seu papel no novo ambiente tributário.



