O anúncio de que o Itaú desligou cerca de mil funcionários em regime remoto e híbrido, após uma revisão das condutas de produtividade, reacendeu um debate sensível no mercado de trabalho brasileiro: até onde as empresas podem ir no monitoramento de seus colaboradores? E, mais do que isso, quais são os limites legais para demissões em massa?
Embora o caso tenha ganhado destaque pelo porte do banco e pelo número de dispensas, os dilemas jurídicos e práticos levantados afetam diretamente empresas de todos os portes.
De startups a corporações globais, gestores de RH, especialistas em Departamento Pessoal e empresários precisam compreender como a legislação enxerga o uso de softwares de monitoramento, quais cuidados tomar e quais riscos jurídicos estão envolvidos em decisões de desligamento em larga escala.
Segundo informações divulgadas pelo Sindicato dos Bancários, os desligamentos no Itaú teriam ocorrido após meses de monitoramento digital das máquinas corporativas dos funcionários. O banco alegou que foram encontrados padrões de conduta “incompatíveis com os princípios de confiança” da instituição, o que indicaria períodos de inatividade ou baixa produtividade.
Independentemente das divergências entre a narrativa do banco e a contestação do sindicato, o episódio revela um ponto crucial: a fronteira entre o controle legítimo da empresa e o excesso de vigilância que pode se tornar ilegal ou abusivo.
Além disso, quando uma dispensa atinge um número elevado de colaboradores, surge automaticamente a discussão sobre os critérios adotados, o dever de transparência e a necessidade de diálogo com sindicatos.
Para além do caso específico, a questão é: como estruturar um processo de monitoramento e desligamento que seja juridicamente seguro e, ao mesmo tempo, preserve a confiança dentro da organização?
A legislação brasileira reconhece que o empregador possui o poder diretivo sobre a forma como o trabalho é executado. Isso significa que a empresa pode controlar jornada, produtividade e uso dos equipamentos fornecidos, inclusive no regime de home office, previsto pela CLT.
No entanto, esse poder não é ilimitado. Desde a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em 2020, práticas de monitoramento digital precisam obedecer a princípios claros: finalidade legítima, transparência, proporcionalidade e segurança da informação. Em outras palavras, a empresa pode monitorar o computador corporativo, mas deve informar ao trabalhador que isso será feito, explicar o objetivo e garantir que os dados coletados não sejam usados de forma abusiva.
Um ponto sensível está na forma de aferição da produtividade. Muitos softwares medem apenas o tempo de tela ou de movimentação do mouse e teclado, mas a jornada de trabalho vai além disso.
Atividades como reuniões por telefone, análise de documentos físicos ou até planejamento estratégico não ficam registradas digitalmente e, portanto, não podem ser desconsideradas. Quando o monitoramento se restringe a métricas parciais, abre-se espaço para erros de avaliação e riscos de questionamentos judiciais.
Quando o controle ultrapassa os limites da razoabilidade, a empresa pode ser acusada de assédio moral, invasão de privacidade ou violação da LGPD. Além de ações trabalhistas individuais, há possibilidade de autuações por órgãos fiscalizadores e danos à reputação da marca.
Outro risco recorrente é a tentativa de monitorar equipamentos pessoais do funcionário. Nesses casos, mesmo que o colaborador esteja em regime de home office, a jurisprudência tende a considerar tal prática como invasão à intimidade, já que a empresa não pode extrapolar o uso de recursos próprios para além do necessário.
Portanto, a recomendação é clara: monitorar sim, mas com critérios objetivos, comunicação prévia e proporcionalidade, sempre registrando políticas internas que sustentem juridicamente a prática.
As demissões no Itaú também trouxeram à tona a discussão sobre dispensas coletivas. O Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou o entendimento de que cortes em massa exigem participação prévia do sindicato da categoria, ainda que não dependam da autorização formal da entidade. Isso significa que a empresa não pode simplesmente desligar centenas de trabalhadores sem diálogo institucional, sob risco de ver as demissões questionadas na Justiça.
O objetivo dessa exigência é assegurar transparência e buscar alternativas que minimizem os impactos sociais da medida. No caso do Itaú, o sindicato questiona justamente a falta de aviso e de negociação, o que pode gerar pedidos de reintegrações ou indenizações.
É importante destacar a distinção. No desligamento individual, o empregador pode encerrar o contrato de trabalho sem necessidade de consultar o sindicato, desde que pague as verbas rescisórias devidas.
Já em casos de desligamento coletivo, especialmente quando ultrapassam algumas dezenas ou centenas de pessoas, a ausência de diálogo prévio pode configurar irregularidade, tornando a medida vulnerável a ações judiciais coletivas.
Para gestores de RH, DP e empresários, a principal lição é que o risco jurídico pode ser mitigado com planejamento, documentação e diálogo. Algumas boas práticas incluem:
O caso Itaú escancarou uma realidade que já vinha sendo discutida: o trabalho remoto exige novas formas de gestão, mas o monitoramento e as decisões de desligamento precisam estar ancorados em compliance trabalhista e respeito à legislação.
Empresas que buscam controlar de forma abusiva ou dispensar em massa sem diálogo correm riscos elevados — financeiros, jurídicos e reputacionais. Por outro lado, quando o monitoramento é transparente, proporcional e focado em resultados, e quando desligamentos são conduzidos com negociação e critérios claros, a organização consegue equilibrar produtividade, segurança e confiança.
Mais do que a tecnologia em si, o que está em jogo é a cultura organizacional: preservar a confiança entre empregador e empregado é o caminho mais seguro e sustentável para enfrentar os desafios do trabalho híbrido e remoto no Brasil.