Entre março e julho de 2025, a rede de restaurantes Madero foi autuada em 193 autos de infração após fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais (SRTE/MG). O relatório apontou práticas que vão desde falta de registro em carteira até ausência de políticas de prevenção ao assédio moral e sexual.
Esse caso ganhou repercussão nacional não apenas pela dimensão das autuações, mas também porque revelou uma gestão marcada por falhas que expuseram trabalhadores a condições irregulares e degradantes.
Neste artigo, selecionamos 10 irregularidades trabalhistas identificadas no caso Madero para analisá-las em detalhe. Mais do que relatar o ocorrido, buscamos explicar os fundamentos legais de cada situação, seus riscos jurídicos e como RH e lideranças podem atuar na prevenção, já que essas práticas podem ocorrer em empresas de diferentes portes e segmentos.
A ausência de registro em carteira é uma das irregularidades mais recorrentes na realidade trabalhista brasileira e foi uma das primeiras apontadas no caso Madero. A CLT determina que o vínculo deve ser formalizado desde o primeiro dia de trabalho (art. 29), com prazo máximo de cinco dias úteis para a anotação na CTPS.
Segundo dados do IBGE, mais de 13 milhões de brasileiros trabalham sem carteira assinada, o que demonstra o alcance desse problema. No Madero, jovens recrutados de regiões do Norte e Nordeste chegavam a iniciar suas atividades antes de terem o contrato formalizado, prática que fragiliza direitos como FGTS, INSS, férias e 13º salário.
Além do prejuízo direto ao trabalhador, o empregador fica sujeito a multas (art. 47 da CLT: R$ 3.000,00 por empregado não registrado, ou R$ 800,00 para micro e pequenas empresas) e ações trabalhistas com repercussões retroativas. Mais grave: a informalidade também pode ser interpretada como fraude à legislação trabalhista, ampliando o passivo da empresa.
A fiscalização encontrou editais de contratação que restringiam a faixa etária entre 18 e 25 anos, além de questionamentos sobre estado civil e filhos. Essas práticas configuram discriminação vedada pela Constituição Federal (art. 7º, XXX) e pela Lei nº 9.029/1995, que proíbe critérios discriminatórios para admissão ou manutenção da relação de emprego.
O etarismo, por exemplo, é um preconceito cada vez mais combatido, e a Justiça do Trabalho tem reconhecido dispensa ou exclusão de candidatos por idade como motivo de indenização por danos morais. O mesmo vale para discriminações relacionadas ao estado civil, que restringem oportunidades com base em estereótipos (ex.: mulheres casadas serem preteridas por risco de gravidez).
Trata-se de condutas que não apenas geram multas administrativas, mas também podem resultar em condenações coletivas com forte impacto reputacional, além de ações do Ministério Público do Trabalho para cessar tais práticas.
Outro ponto central no caso Madero foi a imposição de jornadas que ultrapassavam os limites legais, em condições prejudiciais ao descanso e convívio social. A legislação prevê carga máxima de 8 horas diárias e 44 semanais, admitindo até 2 horas extras (art. 59 da CLT). Jornadas superiores de forma habitual podem ser enquadradas como trabalho análogo à escravidão (art. 149 do Código Penal), especialmente quando acarretam esgotamento físico e mental.
O Tribunal Superior do Trabalho já reconheceu a figura do “dano existencial” em casos de jornadas exaustivas, quando o trabalhador perde a possibilidade de exercer atividades pessoais, de lazer ou familiares. No Madero, intervalos de até 4 horas em meio ao expediente, aliados a longos deslocamentos até alojamentos, comprometeram a saúde e dignidade dos empregados.
Essa prática expõe as empresas a condenações severas, ações criminais e inclusão na chamada “lista suja” do trabalho escravo.
Relatórios da fiscalização apontaram que funcionários permaneciam sob vigilância constante mesmo fora do expediente, inclusive nos alojamentos, configurando desrespeito ao direito à desconexão.
Embora ainda não haja legislação específica no Brasil, esse direito encontra respaldo em princípios constitucionais (art. 1º, III – dignidade da pessoa humana; art. 7º – limites de jornada e direito ao descanso). Tribunais trabalhistas já reconhecem que cobranças frequentes por mensagens ou ligações fora do expediente geram direito a horas extras e indenizações por danos morais.
Em países como França e Espanha, leis específicas já garantem a desconexão. No Brasil, a ausência de regulamentação não autoriza empresas a ignorarem o tema, que é cada vez mais relevante diante da conectividade digital e do teletrabalho.

Auditores constataram que trabalhadores eram penalizados financeiramente por descumprirem regras internas, como não realizarem faxina nos alojamentos ou receberem visitas. A CLT permite descontos apenas em situações específicas, como adiantamentos, faltas não justificadas ou danos comprovadamente causados pelo empregado (art. 462).
Qualquer desconto punitivo sem previsão legal ou contratual clara configura ilegalidade e pode obrigar a empresa a restituir os valores em dobro, além de indenizações adicionais. Essa prática é considerada abusiva porque transfere ao empregado um risco que deve ser suportado pelo empregador.
Um dos aspectos mais graves identificados foi a adoção de um modelo de gestão baseado em pressão psicológica, metas abusivas e vigilância constante. Trata-se do chamado assédio moral organizacional, já reconhecido pela jurisprudência do TST.
Diferente do assédio individual, essa prática atinge grupos de trabalhadores de forma sistemática, transformando o ambiente de trabalho em espaço de intimidação e constrangimento. Entre os exemplos comuns estão campanhas de “funcionário do mês” com critérios subjetivos, restrição de pausas para banheiro e cobranças excessivas de produtividade.
O TST já condenou empresas que utilizavam a “gestão por estresse”, reconhecendo que tais métodos violam a dignidade do trabalhador e geram indenizações por danos morais individuais e coletivos.
A fiscalização apontou também que o Madero não possuía políticas formais para prevenir o assédio moral e sexual. A NR-17 (Ergonomia) e a NR-1 (Programa de Gerenciamento de Riscos) já orientam a adoção de medidas preventivas, e a omissão da empresa nesse aspecto reforça o passivo trabalhista.
Políticas claras, canais de denúncia e treinamentos periódicos são hoje requisitos mínimos de compliance trabalhista. A ausência dessas medidas não apenas favorece a ocorrência de assédio, como também transfere à empresa a responsabilidade objetiva pelos danos sofridos pelos empregados.
Os alojamentos disponibilizados pelo Madero ficavam a até 40 minutos a pé dos restaurantes, sem fornecimento de vale-transporte, mesmo para empregados que saíam após a meia-noite.
A Lei nº 7.418/1985 obriga o empregador a custear o deslocamento por transporte coletivo. A recusa pode justificar inclusive a rescisão indireta do contrato de trabalho (art. 483 da CLT). Além disso, compromete a segurança do trabalhador, exposto a riscos durante trajetos noturnos e longos percursos.
A ausência de mapeamento e prevenção de riscos psicossociais foi outro ponto destacado. O Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), previsto na NR-1, exige que empresas identifiquem riscos ocupacionais físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e psicossociais.
A negligência nesse aspecto expõe trabalhadores a estresse, ansiedade, burnout e outras doenças ocupacionais. Cada vez mais, a Justiça do Trabalho e o MPT têm cobrado das empresas a adoção de políticas de saúde mental e o reconhecimento de que riscos psicossociais também comprometem a integridade do trabalhador.
Além das questões já citadas, os auditores encontraram condições degradantes em alojamentos, como regras excessivas, higiene precária e ausência de medidas de segurança. Essas falhas violam normas como a NR-24 (Condições Sanitárias e de Conforto nos Locais de Trabalho) e podem caracterizar condições análogas à escravidão.
O caso Madero mostra que irregularidades trabalhistas não são apenas desvios pontuais, mas reflexos de um modelo de gestão. Para prevenir passivos e preservar a saúde dos colaboradores, é essencial que RH e lideranças atuem estrategicamente.
Boas práticas incluem:
O episódio envolvendo o Madero expôs 10 irregularidades trabalhistas que representam violações graves aos direitos fundamentais dos trabalhadores. Todas elas são práticas passíveis de fiscalização em qualquer empresa e devem servir de alerta para o setor empresarial como um todo.
Mais do que evitar multas que podem chegar a milhões de reais, a conformidade trabalhista é um investimento em reputação, clima organizacional e produtividade sustentável. Cabe às empresas, por meio de seus RHs e lideranças, garantir que seus modelos de gestão estejam alinhados com a legislação e, sobretudo, com a dignidade da pessoa humana.



